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A Nuvem Cinzenta de Leo

  • Foto do escritor: Marcelo Martins
    Marcelo Martins
  • 29 de out.
  • 7 min de leitura

A Nuvem Cinzenta de Leo


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Personagem Principal: Leonardo (Leo)

Um adolescente de 16 anos, magro, com cabelos castanhos que caem sobre a testa e olhos castanhos profundos que parecem carregar um peso. Tem a pele clara e, acima da sobrancelha direita, uma pequena cicatriz quase invisível, uma marca de uma queda de bicicleta na infância que só fica evidente quando ele franze a testa em preocupação.








Capítulo 1: A Cor Cinza


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Leo sentia como se uma nuvem cinzenta pairasse constantemente sobre sua cabeça, uma nuvem que só ele podia ver. Os sons pareciam abafados, as cores do mundo, desbotadas. Em seu quarto, o sol que entrava pela janela não conseguia aquecê-lo. Ele apenas se sentava na cama, sentindo o peso de algo que não conseguia nomear, com o olhar perdido. Acima de sua sobrancelha direita, uma pequena cicatriz em forma de lua crescente parecia mais profunda na luz fraca.

Leo não sabia dizer exatamente quando a nuvem cinzenta tinha chegado. A princípio, era apenas uma névoa fina, quase imperceptível. Mas, semana após semana, ela foi se tornando mais densa, pairando sobre sua cabeça, sugando as cores do mundo. O azul do céu parecia desbotado. O som da sua música preferida soava abafado. A comida não tinha mais o mesmo sabor.

Seu quarto, antes um refúgio criativo cheio de cadernos de desenho e projetos, agora era apenas um esconderijo. Ele passava horas deitado, olhando para o teto, enquanto a energia para pegar um lápis simplesmente não existia. A anedonia, a perda de prazer, tinha se instalado sem pedir licença.

— Leo, o jantar está na mesa! — gritava sua mãe do andar de baixo.

A voz dela parecia vir de muito longe. A simples ideia de descer as escadas, sentar-se à mesa e fingir que estava tudo bem era exaustiva.

— Não estou com fome! — ele respondia, com uma irritabilidade que nem ele mesmo entendia.

Não era raiva, não de verdade. Era mais como um fio desencapado. Qualquer toque, qualquer pergunta, parecia causar um curto-circuito. Ele se sentia culpado pela forma como tratava os pais, mas a culpa era apenas mais um peso na nuvem que já era pesada demais.


Capítulo 2: "É Só Uma Fase"


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As coisas que antes lhe traziam alegria agora eram apenas objetos acumulando poeira. O controle do videogame, seu antigo companheiro de aventuras épicas, estava esquecido na mesa de cabeceira. As mensagens de seu melhor amigo, Sam, piscavam no celular, mas responder parecia uma tarefa impossível, como escalar uma montanha.

Na cozinha, seus pais suspiravam.

— Ele está sempre de mau humor — disse o pai, preocupado. — Mal fala conosco.

— Ah, é só a idade — respondeu a mãe, tentando se convencer. — Todo adolescente passa por isso. É drama, essa necessidade de se isolar. Logo passa.

Eles se agarravam a essa ideia, ao mito reconfortante de que era apenas uma "fase da idade". Não percebiam que o isolamento de Leo não era uma busca por autonomia, mas uma retirada forçada. O Leo que eles conheciam, que adorava noites de cinema em família e contava piadas ruins, estava se afogando sob a nuvem. A queda em suas notas na escola e o afastamento de seus melhores amigos eram vistos como parte do mesmo "pacote adolescente", e não como os sinais de alerta que realmente eram.

Minimizar a dor parecia mais fácil do que encará-la. Mas, para Leo, cada "isso vai passar" soava como uma invalidação, como se ninguém pudesse ver a tempestade que se formava dentro dele.


Capítulo 3: O Espelho Distorcido


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Sam, o seu amigo, notou. Ele sempre notava. "Ei, cara, você sumiu", disse ele, aparecendo na porta do quarto de Leo. "Vamos jogar aquele jogo novo? Dizem que é incrível." Leo apenas encolheu os ombros, sem se virar. A energia de Sam parecia pertencer a outro universo, um que Leo não conseguia mais acessar.

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Na quietude do quarto, um sussurro sombrio às vezes se insinuava em sua mente. Ele dizia que a nuvem nunca iria embora, que o peso nunca aliviaria. O sussurro falava de um fim, de uma fuga silenciosa de tudo. Era um pensamento assustador, mas que, em seus piores momentos, parecia quase reconfortante.


A nuvem não afetava apenas suas emoções; ela distorcia seus pensamentos. Era como olhar o mundo através de um espelho de casa mal-assombrada.

Um dia, ele recebeu a nota de uma prova de matemática: um seis. Para qualquer outro, seria apenas uma nota a ser melhorada. Para Leo, sob o filtro da nuvem, o seis era uma sentença. O pensamento veio rápido e cruel: "Eu sou um fracasso. Eu nunca vou conseguir fazer nada direito." Era o pensamento "tudo ou nada", transformando um único evento em uma verdade absoluta sobre si mesmo.

Essa desesperança era o alimento da nuvem. Ela sussurrava em seu ouvido que as coisas eram assim e sempre seriam. Essa sensação de permanência era a parte mais assustadora. Ele se sentia preso em um túnel escuro, e a ideia de que existia uma luz no fim parecia uma fantasia ingênua. A impulsividade da adolescência, misturada a essa visão de túnel, criava uma combinação perigosa. A dor parecia tão insuportável que, por breves e aterrorizantes momentos, a única saída parecia ser o fim de tudo.


Capítulo 4: Um Fio de Luz


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Preocupado, Sam não desistiu. Ele encontrou a irmã mais velha de Leo, Clara, na cozinha. "Eu não sei o que há com ele, Clara", disse Sam, com a voz baixa. "Ele não é mais o Leo. Ele parece... perdido." Clara olhou para Sam, sua expressão se tornando séria e compreensiva.

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Mais tarde, Clara sentou-se na cama com Leo. Ela não fez muitas perguntas. Apenas disse: "Eu estou aqui, Leo. E não estou com medo da sua nuvem. Às vezes, todos nós temos nuvens. O importante é não deixá-las chover sozinhos." Pela primeira vez em semanas, Leo sentiu uma lágrima escorrer pelo rosto.


Além de sua irmã, o professor foi muito importante. A mudança começou não com um trovão, mas com uma observação silenciosa. O Sr. Almeida, seu professor de artes, notou a diferença. Ele via as folhas em branco no caderno de Leo, lembrava dos desenhos cheios de vida que ele costumava fazer e via o olhar vazio que agora o acompanhava. Ele percebeu a mudança no comportamento basal.

Depois da aula, ele chamou Leo para uma conversa.

— Leo, está tudo bem? — perguntou ele, com uma calma que não exigia uma resposta imediata. — Tenho sentido falta da sua arte. Seus cadernos estão quietos ultimamente.

Pela primeira vez em meses, Leo não sentiu a necessidade de levantar uma parede. Havia uma sinceridade na pergunta, uma preocupação genuína que não minimizava o que ele sentia. Ele apenas deu de ombros, mas seus olhos se encheram de lágrimas.

— Eu não sei, professor. Acho que não — conseguiu dizer, com a voz embargada.

O Sr. Almeida não tentou dar soluções mágicas. Ele apenas ouviu e, ao final, sugeriu:

— Sabe, conversar com alguém que entende dessas "nuvens" pode ajudar. A escola tem uma psicóloga, a psicóloga Isabel. Que tal a gente marcar um horário? Sem compromisso.

Aquele convite foi um pequeno fio de luz na escuridão do túnel.


Capítulo 5: Desvendando a Nuvem


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Conversar com a sua irmã, Clara, foi o primeiro passo. Depois, vieram seus pais, que o ouviram com o coração aberto, sem julgamentos. Da mesma forma o professor. Juntos, eles procuraram ajuda, e depois que conversou com a psicóloga Izabel, foi encaminhado para outra psicóloga. Leo começou a se encontrar com uma terapeuta chamada Ana. O consultório dela não era frio e clínico, mas sim um espaço calmo com poltronas confortáveis e luz suave.

A Ana era acolhedora. Ela explicou a Leo que a nuvem tinha um nome: depressão. E que a irritabilidade, o isolamento e a perda de prazer eram seus sintomas, não falhas de caráter.


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— Pense nos seus pensamentos como óculos, Leo — disse ela, em uma das primeiras sessões. — Quando a depressão chega, é como se você colocasse óculos com lentes cinzentas e distorcidas. Nosso trabalho aqui, na Terapia Cognitivo-Comportamental, ou TCC, é aprender a reconhecer quando você está usando esses óculos e, aos poucos, limpá-los ou até trocá-los por lentes mais claras.

Ela o ajudou a identificar os pensamentos automáticos e negativos, como o "tudo ou nada" e a supergeneralização. Juntos, eles começaram a questioná-los. O seis em matemática era mesmo a prova de um fracasso total? Ou era apenas uma nota em uma matéria, em um dia específico? Existiam outras evidências? Ele se lembrou de um trabalho de história que tinha ido bem, de um elogio que recebeu em artes. Aos poucos, a visão em túnel começou a se alargar.


Capítulo 6: Pequenos Raios de Sol


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Não foi mágico. Houve dias em que a nuvem cinzenta parecia mais densa do que nunca. Mas agora, algo era diferente. Quando o sussurro sombrio voltava, Leo o reconhecia. Ele o rotulava como uma "âncora" e usava as técnicas que a Dra. Ana lhe ensinou para se firmar no presente. Ele ligou para Sam. "Ei", disse ele, com a voz um pouco rouca. "Ainda quer jogar aquele jogo?"

A recuperação não foi uma linha reta. Havia dias bons e dias ruins. Mas, com as ferramentas da Terapia, Leo aprendeu a não ser mais um refém da nuvem. Ele aprendeu a respirar fundo quando a irritabilidade vinha, a reconhecer um pensamento distorcido e a desafiá-lo com uma perspectiva mais realista.

Ele começou com pequenos passos. Um dia, pegou o caderno e desenhou a própria nuvem, dando forma ao que sentia. Em outro, respondeu a uma mensagem de um amigo que não via há tempos. Convidou sua mãe para assistir a um filme, como faziam antigamente.

Cada pequeno ato era um raio de sol perfurando a névoa. Seus pais, agora mais informados e participando de algumas sessões de orientação, aprenderam a oferecer o tipo certo de apoio: não minimizando sua dor, mas validando seus sentimentos e celebrando suas pequenas vitórias.


Capítulo 7: O Céu Depois da Tempestade


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A nuvem cinzenta não desapareceu completamente, mas ficou menor, mais distante. Alguns dias, era apenas um fiapo no céu azul. Leo aprendeu que a recuperação não era uma linha de chegada, mas uma jornada. E ele não estava mais sozinho. Ele tinha suas ferramentas, sua família e Sam ao seu lado, pronto para enfrentar qualquer tempestade, segurando um controle de videogame como se fosse um escudo.

A nuvem cinzenta não desapareceu para sempre. Às vezes, ela ainda ameaçava voltar, especialmente em dias difíceis. Mas agora, Leo era diferente. Ele não era mais a pessoa indefesa debaixo da tempestade. Ele tinha um guarda-chuva, uma bússola e sabia que, mesmo que o céu ficasse nublado, o sol continuava lá, esperando para brilhar novamente.

Ele voltou a desenhar, mas seus traços tinham uma nova profundidade. Ele desenhava a escuridão, mas também a luz que a atravessava. Ele entendeu que sua vulnerabilidade não era uma fraqueza, mas parte de sua história. E que pedir ajuda não era desistir, mas o ato mais corajoso que ele já tinha cometido. A cicatriz acima de sua sobrancelha, antes uma marca esquecida, agora parecia um lembrete sutil: ele já tinha caído antes e, mais importante, já tinha se levantado.

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